Demontier Tenório
O vento frio sopra mais intensamente no início da madrugada e atinge o rosto de Geraldo. Ele ergue a mão, desdobra o ededron e cobre até porque o sono já lhe batia à porta. Naquele momento, o “dono do Banco do Brasil” parava de olhar o movimento em frente à “sua agência” para atender ao convite em nome de uma dormida tranqüila como, via de regra, eram as anteriores. Nenhuma preocupação pela falta de um teto enquanto muitos se encontravam no aconchego do seu lar e junto da família.
Até parece que posses nunca foram o objetivo dele. O prazer de Geraldo era estar ali recostado ao seu “patrimônio”, vendo as pessoas passarem tragando o seu cigarro e deixando a fumaça se perder na imensidão do espaço a exemplo do que acabara de fazer pela última vez. Antes de atirar o filtro no meio da rua ainda lhe sobra o último cumprimento de um homem que pergunta sobre o frio intenso e ele responde: “não se preocupe mano!. O cobertor é bom”. Estava terminando o mês mais chuvoso de 2009 e a brisa era bastante fria, mas Geraldo não queria ver ninguém preocupado com ele.
A madrugada se entrega ao silêncio por completo e ele mergulha junto sem imaginar que seriam os últimos instantes da sua vida. No dia seguinte, já não estaria mais de pé para acolher, como sempre fazia, os seus “clientes” no setor de caixas eletrônicos da agência. Na correria do cotidiano, poucos eram os cumprimentos para Geraldo. Um comportamento que divergia da tranqüilidade das noites quando muitos paravam e tinham momentos de prosa com àquele homem, cuja história era desconhecida.
Àquelas alturas alguém já havia lhe garantido a alimentação e o mesmo estava banhado, tragando o seu cigarro e vendo as horas correrem para mais uma noite de sono. Tão logo o movimento cessou, Geraldo foi em busca do ededron, se deitou em frente a porta e esparramou pelo corpo. O cansaço por mais um dia de “trabalho” tomou conta daquele homem e o sono profundo não demorou a chegar. Só que Geraldo não imaginava que, junto com ele, viria ao seu encontro a maldade das ruas.
A passos firmes se aproxima outro homem que vive perambulando pelas artérias da área central de Juazeiro. Faltava-lhe uma arma, mas sobrava o instinto violento de quem estava desejoso de matar alguém. Vendo Geraldo indefeso e coberto dos pés à cabeça, àquele rapaz de 33 anos, descabelado, maltrapilho e embriagado o elegeu como se o mesmo não tivesse mais o direito de viver. A arma não demorou a surgir, pois, quase ao lado, havia uma pedra em concreto por sobre o esgoto no jardim sob a rampa de acesso.
O assassino não pensa duas vezes e apanha o lajedo nos braços. No mais absurdo gesto de frieza, mira na cabeça do pobre Geraldo, ergue um pouco mais a pedra para que o impacto seja ainda maior e solta. Com a tranqüilidade de quem jamais fizera o mal a alguém, ele recebe o golpe fatal e dá o último suspiro após uma pancada tão forte que o fez erguer as pernas como se ainda quisesse saber do que se tratava ou correr para fugir da morte.
Quando o cortejo fúnebre com milhares de carros, motos, bicicletas e pessoas seguia na direção do cemitério, eis que surge a idéia de uma última passagem em frente ao Banco do Brasil com o corpo daquele homem simples que ganhava as homenagens o socializando como se fora realmente o dono do banco. Das janelas, uma chuva de pétalas cai do prédio e, na rampa, onde Geraldo dormia e foi morto naquela madrugada, os funcionários não escondiam as lágrimas e as deixavam rolar sobre o rosto em momentos de profunda tristeza e revolta.
Enquanto isso, as perguntas não calavam nas ruas: “quem teria feito àquilo com um homem tão acolhedor e sincero?”. Em poucas horas, a polícia deu a resposta: “Evandro Rogério dos Santos, vulgo “Cabelo do Cão”, que foi preso e ganhou liberdade em Juazeiro. Atualmente, está recolhido na cadeia de Pesqueira (PE), mas por outros motivos, pois até parece que a vida de Geraldo não ostentava nenhum valor.